"Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho"
(Alberto Caeiro)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Silêncio


Talvez exista um jeito de se chegar ao silêncio
Como o que existe no espaço
Envolvendo o universo como num abraço
De paz, serenidade e beleza infinda

Os deuses gritam ordens e vontades
Os amores alardeiam suas cobranças e desagrados
A razão reclama toda a sua verdade
Os sonhos sussurram desejos improváveis
Enquanto o tempo anuncia o que foi e já não é

Talvez o silêncio seja, de fato, o começo e o fim de tudo
E quem sabe o remédio das dores do mundo,
E das minhas,
Seja tratá-las com silêncio, inteiro e profundo

Foi no silêncio que perdi melodias
E nele que mergulhei mágoas e poesias
Porém, embora estas não mais existam
Um milhão de vozes faz surgir dez de cada uma que sumiu

E mais uma vez, ao olhar o céu e ver as estrelas
E todos os constituintes celestes
Que guardam, no seu silêncio, toda a história da existência
Percebo que calar o mundo a minha volta
Seria uma espécie de graça
Uma benção de sabedoria

Ítalo 07/09/12

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Só palavras


Já não sei dizer sobre aquelas velhas palavras
Que nem tão velhas são assim
Mas foram como que expurgadas e lavadas
As vezes penso se teriam mesmo saído de mim

Aprendi que palavras são palavras
Somos nós os dententores de seu valor e poder
E somos nós a julgá-las e dizê-las
Em amor, liberdade, ser ou não ser

Penso e vejo que há muito do
Do que não se pode explicar
No entanto insistem em querer enquadrar
Tudo e todos, sempre em alguma única palavra

Há um limite tênue
E quantos são os enganos
Em entender os sentidos da palavra
Ou aceitar a palavra como o sentido em si

Penso e almejo tanto ir além!
Talvez as verdades aflorem no que as palavras
Não conseguem explicar
E a compreensão sincera, livre da mera definição
Torne a vida mais fácil
E mais adequada pra se apreciar

Ítalo 20/08/12

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ele canta


Ele canta
Esta melodia estranha
Que na garganta machuca e acaricia
Afaga e arranha


Ele canta pra lá e além
E do seu mundo criado por canção
Não se pode buscá-lo
Não há forma, jeito e nem ninguém


Canta enquanto o instante não existir
Canta se sofre ou se ama
Se alegra ou se não consegue sorrir
Canta na vida, em sua comédia e drama


O mundo não cabe dentro de ti
Então canta!
Porque, você sabe, não adianta
No silêncio a cabeça também desanda


Me diz o sentido e a poesia
A que nos leva a letra de sua canção?
Ele esquece tudo e só
Se prende em sentir esta deliberada ilusão


Canta e finge que alguém te escuta
E chora ao te ouvir cantar
Canta e imagina lá embaixo
Uma bailarina a dançar


Canta mesmo que seu coração
Já bate rouco de tanto gritar
Esquece o pensamento, esquece os pés
Deixa a canção te levar...

12/07/12

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Segredo dos olhos


Reconhece estes olhos no espelho
E tenta ver neles o que eles veem
Busca neles mais que uma cor
Procura um desejo antigo
Algo pra trás, uma canção, um sabor,
Um passeio, uma infância, um amigo

Se tudo mudou
Reconhece o mesmo, vê o que ficou
Tanto que foi lido
E neles não ficaram as letras
Tanto que foi visto e vivido
Não sobrou nem luz, nem dia, nem estrelas

Fita bem estes olhos
Tenta entender o que eles querem ver
Tenta dizer-lhes que o mundo inteiro
Não cabe dentro de cada um deles

Ítalo 12/05/12

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ensaio sobre a música e a ciência



Uma música, mesmo que simples, assim como uma pequena porção da natureza, apresenta mil intenções, mensagens, complexidades e verdades ocultas. E dessa forma, percebo encantado que tanto a ciência quanto a arte se fazem portadoras de segredos tantos que se tornam tão imensuráveis em si mesmas, nos fazendo sentir tão pequenos e tão atraídos a mistérios tão profundos. As verdades que ambas apresentam, embora muitas vezes não exprimíveis e de significados tão maiores que o senso comum, tornam-se essenciais para o próprio eu de quem as pratica ou para quem as admira em singela simplicidade. Ainda não bastassem semelhanças de importâncias tais, uma, em sua serena doçura, e outra, em toda a sua intrigante turbulência, são fatalmente encantadoras!

domingo, 18 de março de 2012

Esperança

 


Afinal,
Por que deixaria de esperar que,
Lá na frente,
O caminho se tornaria diferente
E caminharia rente ao que já ousamos sonhar?


Esperança é para poucos
Para os os doidos varridos e loucos
Esperança é para quem sabe viver


Nesta espera
Talvez o sol se ponha mais mil vezes
Diariamente espetacular,
Ou quem sabe a solidão venha esculpir,
Mais uma vez, o nosso olhar
E até os nossos pés
Cheguem a marcar os lugares onde já estivemos
Que um livro de histórias 
Seja feito só como que já vivemos
E os lugares todos nos sejam particularmente familiares...


Esperar é o próprio viver
Tão inerente à vida como o próprio respirar
Tão instintivo a nós
Quanto o fitar, oportunamente, o horizonte


Quão tolos e paradoxais nós somos!
Se não sabemos,
Esperamos por um dia saber o que esperar
Se sabemos,
Esperamos por apenas viver sem ter mais que esperar


Um fardo para alguns
Indiferente para outros
Demasiadamente transformada para vários outros


Então
Por que eu deixaria de tê-la?

Ítalo 18/03/12

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Guarda


Guarda teu colo
Que nele eu me deito
E me faço refeito
E sou tão Eu que nem deveria ser


Guarda teus olhos
Neles o meu olhar descansa
Enquanto refaz a esperança
E não sou só Eu e nem deveria ser


Guarda tuas mãos
Nelas tens uma fortaleza
Um segredo de suavidade e leveza
E sou tão Seu e como mais poderia ser


Guarda e guarda bem.
Onde nada e nem ninguém
Um dia possa tirar...
Guarda lá no fundo de mim


Ítalo 13/02/12

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Varanda

Tenho o prazer de postar o conto de um grande amigo e parceiro: Breno Bragança.
Se deliciem!!

A Varanda

A Rúbia.

Jorge estava sentado em sua confortável poltrona estranhamente situada na varanda de sua casa. A maioria dos convidados daquele professor não podia conter a estranheza de ver um objeto tão pertencente a salas de estar ficar assim: jogado a sorte, recebendo passivamente todos as intempéries do clima. Não via porque não, sendo sua varanda o melhor cômodo de sua casa e sua poltrona o melhor móvel que possuía, juntar os dois num só ambiente. Sim, aquele ambiente era a representação do estado de espirito de Jorge.

Estava assim, numa espécie de transe. Sempre se sentia assim quando adentrava aquele local. Era como se seu Estado, num ápice de epifania encontrasse seu Ser e não satisfeito do mero encontro, ousasse entrar nos largos espaços de brancura-azulada ali encontrados. Brancura-azulada essa não silenciosa, mas com um som que nem ele mesmo sabia direito descrever.

Tocava ao fundo um vinil de Gardel, que adquirira numa viajem a Argentina, no som antigo que tinha dos pais e que fora colocado onde os mesmos convidados de Jorge esperam ver um aparelho de televisão. Levantou-se ao lado de sua poltrona estava um pequena mesa redonda, colocada ali para as garrafas de vinho.

Fumava um cachimbo que a todos dizia ser de seu avô mas que na verdade era dele mesmo, comprado em uma tabacaria de seu bairro. Mas Jorge não gostava da versão verdadeira de seu cachimbo. Aquela verdade inconveniente era por demais medíocre para o ambiente de sua varanda.

A varanda, a poltrona, o vinil de Gardel, o vinho. Ali tudo tinha uma carga de magia, e o cachimbo não podia estragar essa áurea de romantismo, de boemia solitária. Assim uma parte de Jorge sabia da triste e sem graça verdade sobre seu cachimbo e outra acreditava que aquele objeto pertencera ao seu avô. O resultante dessa colisão era uma sentimento meio bizarro, que dava ao ambiente da varanda um toque de impaciência.

Nas noites quentes como aquela, Jorge deixava sua mente livre a vagar. Sentia-se leve, vivo. Lembrava de seus amores do passado. Imaginava como seria a vida se casasse com cada amor que já teve. Ria do resultado gerado por sua imaginação embebedada pelo momento, ria do fato de ficar tanto tempo imaginando aquelas coisas, ria de rir.

No som, Gardel se calou. Piazzolla dedilha freneticamente seu bandoneon. “Muita nota” pensa Jorge. Sua mente, provavelmente inspirada pelo modernismo do tango de Piazzolla, se vira para pensamentos mais contemporâneos. Aquela moça ruiva, canhota, de pele branca. Não sabia dizer porque o fato dela ser canhota contribuía para chamar sua atenção, mas sabia que isso era fato.

Desejou chorar. Uma lagrima pelo menos. Nada. Inclinou a cabeça para esquerda, e fechou os olhos. Piazzolla é sem dúvida música para ser ouvida com a cabeça inclinada para a esquerda, de peito aberto  e de olhos fechados. Desejou chorar novamente. Nada. Riu tristemente. Aquele choro que ele não teve ficou guardado no mesmo lugar da verdadeira história do cachimbo. E igualmente como o cachimbo, pincelou aquele quadro claro branco-azul de tons dissonantes.

Levantou-se da poltrona, saiu da varanda, colocou a taça de vinho na pia, jogou a garrafa fora, desligou o som, guardou o cachimbo e deitou-se com a imagem da ruiva canhota, com o som de Piazzolla nos ouvidos e com o gosto da dissonância da lagrima que não existiu.


Breno Braganca
18 de janeiro de 2012.                 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Destinos alheios

via web


Ele era um taxista e ganhava a vida chegando e partindo dos lugares. Um belo dia acordou e não sabia para onde ir. Uma verdadeira tragédia. Todas as placas indicavam, ao mesmo tempo, todas as direções e não havia uma parada sequer que fizesse sentido. Todos os olhares que encontrava escondiam ou evitavam indicar uma direção qualquer que fosse, e é certo que, às vezes, olhavam para horizonte, este sempre no seu vazio costumeiro de uma cor sem fim. Nas ruas, as mãos apontavam, mas não para um caminho específico, e sim para flores, pássaros ou mesmo para mulheres bonitas que passavam.

Sem saber para onde seguir, virou e seguiu meia centena de vezes. Em algum momento, foi parar em uma rua cheia de prostíbulos, onde perambulavam figuras estranhas de um mundo a parte. De um lado, alguns mendigos brigavam e enchiam o ar com palavrões, enquanto ali bem pertinho um senhor tocava num saxofone, lindamente, “A love supreme”.

Afinal, ainda sem saber aonde ir, continuou a vagar pelas ruas da cidade e já estava bem alto o sol. Em algum lugar, no centro de um aglomerado de gente, gritava e suava sobre o terno um homem indicando um caminho para a humanidade inteira. Curioso, nosso taxista desorientado ficou escutando toda aquela conversa sobre subir ou descer, pensando que a vida sempre lhe oferecera somente as opções: esquerda e direita.

Andou muito mais! Viu casas enormes com os seus jardins, passou por becos e vielas, rodeou lagoas, passou por parques e seguiu avenidas inteiras. Não se recordava, “para onde deveria ir meu Deus?”. Ligou o rádio e ouviu as notícias de que o seu país prosseguia bem e cantarolou canções que diziam sobre buscar amores e sonhos. Parou por um instante e leu as notícias sobre novas linhas de metrô que levaria a população para mais lugares e mais distantes. Por que somente ele não tinha um rumo e uma direção?

Foi aí que um passageiro entrou no carro e lhe apontou uma rua e um número. Nada de novo, como sempre fizeram os passageiros ontem, antes de ontem e etc. Então ele entendeu que nenhum caminho particularmente seu deveria ser tomado, eram as pessoas que entravam no seu carro que lhe diziam aonde deveria chegar. Seus destinos eram todos alheios.