"Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho"
(Alberto Caeiro)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Varanda

Tenho o prazer de postar o conto de um grande amigo e parceiro: Breno Bragança.
Se deliciem!!

A Varanda

A Rúbia.

Jorge estava sentado em sua confortável poltrona estranhamente situada na varanda de sua casa. A maioria dos convidados daquele professor não podia conter a estranheza de ver um objeto tão pertencente a salas de estar ficar assim: jogado a sorte, recebendo passivamente todos as intempéries do clima. Não via porque não, sendo sua varanda o melhor cômodo de sua casa e sua poltrona o melhor móvel que possuía, juntar os dois num só ambiente. Sim, aquele ambiente era a representação do estado de espirito de Jorge.

Estava assim, numa espécie de transe. Sempre se sentia assim quando adentrava aquele local. Era como se seu Estado, num ápice de epifania encontrasse seu Ser e não satisfeito do mero encontro, ousasse entrar nos largos espaços de brancura-azulada ali encontrados. Brancura-azulada essa não silenciosa, mas com um som que nem ele mesmo sabia direito descrever.

Tocava ao fundo um vinil de Gardel, que adquirira numa viajem a Argentina, no som antigo que tinha dos pais e que fora colocado onde os mesmos convidados de Jorge esperam ver um aparelho de televisão. Levantou-se ao lado de sua poltrona estava um pequena mesa redonda, colocada ali para as garrafas de vinho.

Fumava um cachimbo que a todos dizia ser de seu avô mas que na verdade era dele mesmo, comprado em uma tabacaria de seu bairro. Mas Jorge não gostava da versão verdadeira de seu cachimbo. Aquela verdade inconveniente era por demais medíocre para o ambiente de sua varanda.

A varanda, a poltrona, o vinil de Gardel, o vinho. Ali tudo tinha uma carga de magia, e o cachimbo não podia estragar essa áurea de romantismo, de boemia solitária. Assim uma parte de Jorge sabia da triste e sem graça verdade sobre seu cachimbo e outra acreditava que aquele objeto pertencera ao seu avô. O resultante dessa colisão era uma sentimento meio bizarro, que dava ao ambiente da varanda um toque de impaciência.

Nas noites quentes como aquela, Jorge deixava sua mente livre a vagar. Sentia-se leve, vivo. Lembrava de seus amores do passado. Imaginava como seria a vida se casasse com cada amor que já teve. Ria do resultado gerado por sua imaginação embebedada pelo momento, ria do fato de ficar tanto tempo imaginando aquelas coisas, ria de rir.

No som, Gardel se calou. Piazzolla dedilha freneticamente seu bandoneon. “Muita nota” pensa Jorge. Sua mente, provavelmente inspirada pelo modernismo do tango de Piazzolla, se vira para pensamentos mais contemporâneos. Aquela moça ruiva, canhota, de pele branca. Não sabia dizer porque o fato dela ser canhota contribuía para chamar sua atenção, mas sabia que isso era fato.

Desejou chorar. Uma lagrima pelo menos. Nada. Inclinou a cabeça para esquerda, e fechou os olhos. Piazzolla é sem dúvida música para ser ouvida com a cabeça inclinada para a esquerda, de peito aberto  e de olhos fechados. Desejou chorar novamente. Nada. Riu tristemente. Aquele choro que ele não teve ficou guardado no mesmo lugar da verdadeira história do cachimbo. E igualmente como o cachimbo, pincelou aquele quadro claro branco-azul de tons dissonantes.

Levantou-se da poltrona, saiu da varanda, colocou a taça de vinho na pia, jogou a garrafa fora, desligou o som, guardou o cachimbo e deitou-se com a imagem da ruiva canhota, com o som de Piazzolla nos ouvidos e com o gosto da dissonância da lagrima que não existiu.


Breno Braganca
18 de janeiro de 2012.                 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Destinos alheios

via web


Ele era um taxista e ganhava a vida chegando e partindo dos lugares. Um belo dia acordou e não sabia para onde ir. Uma verdadeira tragédia. Todas as placas indicavam, ao mesmo tempo, todas as direções e não havia uma parada sequer que fizesse sentido. Todos os olhares que encontrava escondiam ou evitavam indicar uma direção qualquer que fosse, e é certo que, às vezes, olhavam para horizonte, este sempre no seu vazio costumeiro de uma cor sem fim. Nas ruas, as mãos apontavam, mas não para um caminho específico, e sim para flores, pássaros ou mesmo para mulheres bonitas que passavam.

Sem saber para onde seguir, virou e seguiu meia centena de vezes. Em algum momento, foi parar em uma rua cheia de prostíbulos, onde perambulavam figuras estranhas de um mundo a parte. De um lado, alguns mendigos brigavam e enchiam o ar com palavrões, enquanto ali bem pertinho um senhor tocava num saxofone, lindamente, “A love supreme”.

Afinal, ainda sem saber aonde ir, continuou a vagar pelas ruas da cidade e já estava bem alto o sol. Em algum lugar, no centro de um aglomerado de gente, gritava e suava sobre o terno um homem indicando um caminho para a humanidade inteira. Curioso, nosso taxista desorientado ficou escutando toda aquela conversa sobre subir ou descer, pensando que a vida sempre lhe oferecera somente as opções: esquerda e direita.

Andou muito mais! Viu casas enormes com os seus jardins, passou por becos e vielas, rodeou lagoas, passou por parques e seguiu avenidas inteiras. Não se recordava, “para onde deveria ir meu Deus?”. Ligou o rádio e ouviu as notícias de que o seu país prosseguia bem e cantarolou canções que diziam sobre buscar amores e sonhos. Parou por um instante e leu as notícias sobre novas linhas de metrô que levaria a população para mais lugares e mais distantes. Por que somente ele não tinha um rumo e uma direção?

Foi aí que um passageiro entrou no carro e lhe apontou uma rua e um número. Nada de novo, como sempre fizeram os passageiros ontem, antes de ontem e etc. Então ele entendeu que nenhum caminho particularmente seu deveria ser tomado, eram as pessoas que entravam no seu carro que lhe diziam aonde deveria chegar. Seus destinos eram todos alheios.