"Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho"
(Alberto Caeiro)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Caminhada

Não sabia ao certo o que fazer, mesmo que dentro de mim gritasse uma vontade louca de chegar a algum lugar e fazer repouso dessas vontades absurdas que andam me levando pra lá e pra cá. Não poderia estar certo da validade de fazer-me andarilho errante, mas cada passo dado era um pouco mais longe e isso talvez fosse o suficiente. No céu a indecisão da chuva não deixava o dia acabar e não deixava a noite acontecer.  Cansado deixei que gotas brincassem nas lentes dos óculos que há muito já não interferem muito no meu jeito de ver o mundo.

Na minha mente os pensamentos pulavam, querendo ou não, estava levando os desejos em mim enclausurados pra passear. Pensei que talvez fosse hora de desistir dos versos e começar a escrever em prosa. Pensei que talvez fosse tempo de desistir do jazz, do Miles, do Coltrane, e arriscar uma invenção ou outra de Bach. Pensei que já estava crescido demais pra prender-me em porquês e que já passava a hora de concentrar-me nas respostas. A caminhada era prazerosa e do alto de um viaduto vi a cidade ao longe se acender, e lá trás os subúrbios escondiam o que estava além. Reticências dão lugar a imaginação e não foi diferente comigo. Pensei como seria bom se tudo que se anseia tivesse a distância de uma boa caminhada. As velhas figuras ilustravam o caminho, vez ou outra tinham até mesmo o poder de apressar o meu passo, e tornavam ainda mais pitoresca a minha contemplação poética, reduziam ao ridículo minhas aspirações de algo mais.

Procurei em vão pensar um motivo que me mantivesse caminhando, que me levasse pra bem longe, e, se houvesse chegada, eu pudesse por fim ser surpreendido. Depois de tanto caminhar e tanto pensar, distraído, esbarrei comigo mesmo, mas me esqueci de perguntar pra onde estava indo.


Ítalo 03/03/11

6 comentários:

  1. que bonito! eu gosto de poesia em prosa

    ah, acho q vc deveria tentar uma dança do bach, quem sabe uma bourrée.....

    =)

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  2. Está de parabens Ítalo. Ficou excelente.

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  3. "...deixei que gotas brincassem nas lentes dos óculos que há muito já não interferem muito no meu jeito de ver o mundo".

    Acho que todo mundo precisa um pouco disso...

    Perfeito!

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  4. Grande Ítalo, Que prazer te conhecer, mais ainda, que intrigante ti ler... O que acabo de ler trata-se de um lirismo confessional que consegue pulverizar a caretice da confissão com imagens profundamente sugestivas. Aliás, vc conseguiu brincar com a minha subjetividade como poucos autores, indo e vindo de vc, li um personagem que busca na alteridade a sua própria forma de discurso. O que escrevestes é pura metalinguagem, mas ao mesmo tempo poesia despretensiosa! Se tem tensão, tem valor estético... e, acredite, o que acabo de ler tem tensão! Sinto-me honrado por ter feito essa visita. É bom sairmos de um blog diferente de como entramos!
    Abs!

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